segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

As Ruas de Milagres



          Discorrer sobre essas ruas é discorrer sobre cada fio de uma toalha. Algumas ruas eram tão paralelas que acabavam constituindo uma única linha reta. Só para se ter uma idéia, a rua Albertina Cardozo era um mero reflexo da rua Eustásio Cardozo.
         Durante meses discorri sobre as ruas de Milagres ao meu psiquiatra, detalhando os ruídos, os musgos nas sarjetas, os sulcos abertos pelas rodas das carroças, o silêncio e o abandono. Uma dessas ruas – não me lembro qual – era uma linha morta. Nela havia entulhos. Cachorros à noite farejavam o chão procurando o arraial.
         A rua Artur Cardozo era extremamente curta, medindo no máximo três metros. Era a rua onde eu brincava na areia e quando chovia ficava espiando a enxurrada. Quando Ambrósio foi baleado nessa rua, tombou com as botinas na rua Charles Cardozo e o sangue gotejou na rua Getulio Cardozo.
             A rua Antonio Cardozo era onde amanhecia primeiro. Onde primeiro se ouvia o galo bater asas e cantar.
             As ruas entrelaçavam-se sobre morros, grotas, capoeiras, constituindo uma verdadeira família: a rua Eustasio Cardozo prolongava-se na rua Alzira Cardozo e fundia-se de vez com a rua Albertina Cardozo e Francisco Cardozo, sendo que quem andava sobre uma delas estaria andando sobre as demais. O mesmo ocorria com as casas e os logradouros, pois no quintal da casa de Antonio Cardozo foi construída uma praça com o seu nome e o casal de namorados que vinha à praça vinha à casa de Antonio Cardozo.
         O restante da topografia não diferia daquela descrita nos contratos, memoriais descritivos, com terrenos baldios, tapumes, servidão de passagem pisada por gado, grutas, barranco de córrego com avencas, açudes, brejos, etc. 


Sobre o autor:
Getulio Cardozo, é poeta, advogado e também é ilustrador.

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Monólogo de Orfeu



Mulher mais adorada!
Agora que não estás, deixa que rompa
O meu peito em soluços! Te enrustiste
Em minha vida; e cada hora que passa
É mais por que te amar, a hora derrama
O seu óleo de amor, em mim, amada...
E sabes de uma coisa? Cada vez
Que o sofrimento vem, essa saudade
De estar perto, se longe, ou estar mais perto
Se perto, – que é que eu sei! Essa agonia
De viver fraco, o peito extravasado
O mel correndo; essa incapacidade
De me sentir mais eu, Orfeu; tudo isso
Que é bem capaz de confundir o espírito
De um homem – nada disso tem importância
Quando tu chegas com essa charla antiga
Esse contentamento, essa harmonia
Esse corpo! E me dizes essas coisas
Que me dão essa força, essa coragem
Esse orgulho de rei. Ah, minha Eurídice
Meu verso, meu silêncio, minha música!
Nunca fujas de mim! Sem ti sou nada
Sou coisa sem razão, jogada, sou
Pedra rolada. Orfeu menos Eurídice...
Coisa incompreensível! A existência
Sem ti é como olhar para um relógio
Só com o ponteiro dos minutos. Tu
És a hora, és o que dá sentido
E direção ao tempo, minha amiga
Mais querida! Qual mãe, qual pai, qual nada!
A beleza da vida és tu, amada
Milhões amada! Ah! Criatura! Quem
Poderia pensar que Orfeu: Orfeu
Cujo violão é a vida da cidade
E cuja fala, como o vento à flor
Despetala as mulheres - que ele, Orfeu
Ficasse assim rendido aos teus encantos!
Mulata, pele escura, dente branco
Vai teu caminho que eu vou te seguindo
No pensamento e aqui me deixo rente
Quando voltares, pela lua cheia
Para os braços sem fim do teu amigo!
Vai tua vida, pássaro contente
Vai tua vida que estarei contigo!


                                    (Vinicius de Moraes / Antonio Carlos Jobim)




Texto retirado originalmente da peça teatral: Orfeu da Conceição, baseada no drama da mitologia grega de Orfeu e Eurídice.

Sobre os autores:
Vinícius de Moraes. Poeta essencialmente lírico, o poetinha (como ficou conhecido) notabilizou-se pelos seus sonetos. Conhecido como um boêmio inveterado.
Antonio Carlos Jobim, mais conhecido como Tom Jobim, foi um compositor, maestro, pianista, cantor, arranjador e violonista brasileiro.
É considerado um dos maiores expoentes da música brasileira e um dos criadores do movimento da bossa nova. É praticamente uma unanimidade entre críticos e público em termos de qualidade e sofisticação musical.
Na somatória do talento de ambos foram grandes contribuintes para a música brasileira, teatro e também à poesia.




Maria Bethânia com sua voz estupendamente linda nos brinda com a interpretação impecável da peça musical Orfeu da Conceição no texto adaptado Monólogo de Orfeu. Assista!





quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Com a Usura





Com a usura nenhum homem tem casa de pedra firme
de blocos bem talhados
e bem lisos
para o desenho os recobrir na face,
com a usura
nenhum homem tem um paraíso pintado na sua igreja

harpes et luthes
nem sítio onde a Virgem receba a anunciação
e onde um feixe de luz jorre da ferida,
com a usura
nenhum homem vê Gonzaga os seus herdeiros e as suas concubinas
nenhum quadro é pintado para durar
ou viver com ele
é pintado mas é para vender,
para vender depressa
com a usura, pecado contra a natureza,
o teu pão é feito cada vez com piores farrapos
o teu pão é seco como o papel,
sem trigo da montanha, sem boa farinha
com a usura o traço torna-se grosseiro
com a usura não há fronteiras
e nenhum homem pode achar um lugar para a sua casa.
0 pedreiro fica longe da sua pedra o tecelão longe do seu ofício.
COM A USURA
a lã não chega aos mercados
os carneiros não ganham lã com a usura
A usura é uma peste, a usura torna romba a agulha nas mãos da virgem
e embaraça os gestos da fiandeira.
Pietro Lombardo não veio pelo caminho da usura.
Duccio não veio pela usura
Nem Pier della Francesca; Zuan Bellin` também não foi pela usura
nem foi com ela que pintaram «La Calumnia».
Não foi pela usura que veio Angelico; nem Ambrogio Praedis,
Nem veio a igreja talhada em pedra assinada: Adamo me fecit.
Não veio pela usura Santa Trófima
Não veio pela usura Santo Hilário,
A usura corrói o cinzel
Ela corrói a arte e o artesão
Ela enrodilha o fio no ofício
Ninguém aprende a bordar a ouro seguindo o modelo dela;
0 azul tem um cancro por causa da usura; o carmesim fica por bordar
A esmeralda não encontra Memling
A usura mata a criança ainda no ventre
Ela corta a carreira aos jovens
Ela leva à cama a paralisia, ela está deitada entre a jovem desposada e o seu esposo. 


CONTRA NATURA
Levaram prostitutas a Eleusis
Ao banquete assentam-se cadáveres
A convite da usura.

                                     
                                                         Ezra Pound

 

Sobre o autor: Ezra Weston Loomis Pound. Nascido em Hailey, 30 de outubro de 1885 — Veneza, 1 de novembro de 1972) foi um poeta, músico e crítico literário americano foi uma das maiores figuras do movimento modernista da poesia do início do século XX.



segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Desconhecido à Consciência


    
O silêncio traz a resposta de que tanto se deseja saber dos quais são seus verdadeiros propósitos.
Essas perguntas somente tu conseguirás satisfazê-la com teu silêncio.
É algo sábio, visto que a cada momento surpreende, e de repente..., tem-se uma resposta para uma pergunta jamais feita.
Este é o mesmo sentimento oblíquo.
Sentimento esse que se escriba no silêncio profundo e desconhecido à consciência.
Estás em todos os ensejos do cosmo e no tempo.
Compreender o silêncio é o mesmo que entender os acasos da vida.
Definitivamente não há explicação ao presente;
 a sabedoria do silêncio é um universo em expansão.
Passem quantas auroras for...
Passem quantos poentes for...
Lá estará o belo e misterioso silêncio.
                                                            Adriano-José

Minhas Nostalgias

 

Alguns pedaços de papéis já amarelados, vestígios de tempos... Escritos com rasuras, uma carta datada em 1967 de um velho e querido amigo, uma foto que não lembro mais quem seja!
Uma declaração de amor feito, mas jamais entregue, muitos versos acabados e inacabados com frases pela metade... 
Um desenho ilustrado no momento que se vivia todo sentimento (alentos e desalentos) feito por mim já esquecido naquela velha e saudosa gaveta.
Sempre via e desprezava aquele acervo de memórias não tão obstante dentro da gaveta que pra mim pouco importava!
Em certos momentos não podeis mexer ou abrir certos lugares, desde que, saibas o que encontrarás dentro de uma simples gaveta que lhe remete a um passado de matizes variados.
Eu torturado pelo presente e crente num amanhã precisava arrumar mais espaço p’ro meu trabalho, e não havia mais espaço a não ser retirando a gaveta.
Eu fiz o que tinha de ser feito! Retirando a gaveta descobri que os papéis, carta, foto, declaração, versos e desenho guardavam informações preciosas, como as matérias vista na faculdade, nomes e números de telefones etc.
Uma carta depois de 25 anos aberta... já não há mais validade pois não sei se meu amigo esta ainda entre nós, pois na carta ele dizia que estava muito doente e também não sei se esta morando no mesmo endereço...
E a foto que não conseguia relembrar quem era, mas quando a vi me trouxe sensações e reações inesperadas tais como, os meus prantos e uma reação de plena impotência se aconchegaram até a mim, de poder ver um retrato de alguém e revelar toda minha nostalgia cuja era muito especial na época da faculdade (apenas lembro disso). Afinal, estou com 49 anos, depois de 25 anos de muito trabalho, com ambições diferentes, novos amores, grandes realizações, com filhos e estou à beira de meu jubilado.
Ahhh! Esta declaração de amor então, que emocionante de tão piegas realmente estava muito apaixonado, até fiz um verso, que um trecho dizia:
 “... sua pele rosada e macia me deixa perdido quando me abraça e o seu perfume sempre me arrebata assim como jasmim exala nas noites de primaveras...” até poderia ser a mãe dos meus filhos que declarara esta confissão tão veementemente que parecia ser a única mulher com quem iria me casar e viver pelo resto dos meus dias que lhe tinha o puro e verdadeiro amor...
Infelizmente, não entreguei esta confissão sentimental a esta moça que se chama Anna Victória, sempre esperava o momento oportuno, mas não houve, e aí acabei me formando cada um seguiu seu caminho, de vez em quando encontro com ela, quando vou apanhar as crianças na escola, inclusive minha filha estuda na mesma escola que filho na Anna, mas temos nossas vidas cheias de responsabilidade e atribulada que não nos deixa conversar por falta de tempo, e além do mais eu amo a minha mulher Helena.
E os meus versos muitos bem acabados e outros inacabados... Olha como escrevia bem! Saudades destes velhos tempos. Aqui na gaveta tem mais de 100 versos... imagina o quanto devo ter escrito!
Eu rimava muito bem até sempre me diziam pra deixar a medicina e fazer um curso de Letras...
E este desenho que não sei o que estava sentindo quando eu o desenhei, parece ser um desenho triste, não sei!
Infelizmente este tempo todo que ficou guardado desconfigurou as formas.
A partir de hoje vou tentar ser uma outra pessoa diferente dar mais valor no meu passado até no dado momento era ínscio...
Meus filhos hei ensiná-los a ter uma memória do passado porque o passado é muito rico e pobre ao mesmo tempo: rico, porque tem uma infinidade de lembranças boas e más; e pobre pelo fato de não poder fazer alguma coisa já feito por ser imutável!   
Até então, uma gaveta menosprezada por mim, repentinamente, me deparo com todas estas lembranças de um passado que é única coisa concreta, porém hoje tenho uma vida completamente diferente da outra, dentro da mesma!
Realmente vou tentar achar mais gavetas, caixas, baús enfim pela casa de minha mãe, ou senão vou pedir a ela pra que me conte coisas de minha infância porque certamente vou ter mais lembranças e grandes surpresas de um passado que pertence a mim e quero muito contar estas histórias e aventuras para o Augustus e a Sofia meus queridos filhos e netos.
Bom, vou à casa de mamãe para especular minhas histórias, tomar um cafezinho e quem sabe achar mais algumas lembranças (caixas, baús, guarda-roupas...)  por lá, e ela irá adorar contar minhas histórias mas, enquanto isso vou adiantar meu trabalho e a tardezinha vou até lá!


Sobre meu personagem: Holavo Dantas nascido em 15 de julho 1902 na cidade de Uberaba-MG
Uma pessoa excêntrica...
Profissão: médico e costuma de vez em quando escrever alguns artigos.
Hobbye: ser um andarilho noturno. Atualmente mora no Rio de Janeiro.
    
                                                                                                    Adriano-José  (Holavo Dantas)
            

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

O Marco Marciano





Lenine:

CD: O Dia Em Que Faremos Contato



Pelos auto-falantes do universo
Vou louvar-vos aqui na minha loa
Um trabalho que fiz noutro planeta
Onde nave flutua e disco voa:
Fiz meu marco no solo marciano
Num deserto vermelho sem garoa

Este marco que eu fiz é fortaleza.
Elevando ao quadrado Gibraltar!
Torreão, levadiça, raio-laser
E um sistem internet de radar:
Não tem sonda nem nave tripulada
Que consiga descer nem decolar.

Construi o meu marco na certeza
Que ninguém, cibernético ou humano.
Poderia romper as minhas guardas
Nem achar qualquer falha no meu plano
Ficam todos em Fobos ou em Deimos
Contemplando o meu marco marciano

O meu marco tem rosto de pessoa
Tem ruínas de ruas e cidades
Tem muralhas, pirâmides e restos
De culturas, demônios, divindades:
A história de Marte soterrada
Pelo efêmero pó das tempestades

Construi o meu marco gigantesco
Num planalto cercado por montanhas
Precipícios gelados e falésias
Projetando no ar formas estranhas
Como os muros Ciclópicos de Tebas
E as fatais cordilheiras da Espanha

Bem na praça central. um monumento
Embeleza meu marco marciano:
Um granito em enigma recortado
Pelos rudes martelos de Vulcano:
Uma esfinge em perfil contra o poente
Guardiã mortal do meu arcano...




                                         Compositores: Bráulio Tavares e Lenine