Nas periferias de São Paulo o termo “salve” significa recado. Com seu último filme, Sergio Rezende dá à nação, e, em breve, dará ao mundo o seu “salve geral” sobre a atual situação do país.
Desde sua retomada nos anos noventa, para obter sucesso, o cinema brasileiro vem dando mostras que aqui é desnecessário inventar teorias de conspiração e catástrofes apocalípticas, como ocorre em estúdios hollywoodianos. Retratar nossa realidade causa, espontaneamente, efeito semelhante. Central do Brasil, Cidade de Deus, Última Parada 174, todos esses filmes disputaram o Oscar de melhor filme estrangeiro. Salve Geral, que concorrerá ao Oscar em 2010, segue a mesma linha.
Tendo como ponto de partida a história de Lúcia, mulher da classe média obrigada a trilhar os caminhos do submundo com o intuito de ajudar seu filho que se encontra preso a uma cela comum, o cineasta nos descortina o embate do PCC com o sistema carcerário e a polícia. Sergio Rezende inicia a trama usando da mesma calma com que fala em suas entrevistas, para, depois, dar o ritmo caótico dos dias 12 e 13 de maio de 2006, dias de rebeliões e confrontos. Desta forma, o filme parte do drama pessoal para chegar ao drama coletivo.
Quando o PCC paralisou São Paulo, os seus membros nos deram mostras de que se organizando, eles podem desorganizar. Como disse o próprio Sergio Rezende, “as pessoas tentavam esconder, o governo dizia que não existia, e, de repente, aquilo irrompeu”.
Salve Geral é cinema sem maquiagem. Mesmo que os personagens tenham sido criados, há muitos de nós ali. Numa cena marcante, Ruiva, interpretada esplendorosamente por Denise Weinberg, diz a sua antagonista Lúcia: “A necessidade não obedece às leis.” Hoje, não cabe mais à classe média brasileira a inocência dos anos 60. A realidade não poupa mais a ninguém, ela está aí, face a face diante dos que não queriam vê-la.
No exterior, talvez esse filme não obtenha o mesmo sucesso que Cidade de Deus. Não há nele o lirismo daquele Western de Fernando Meireles filmado em favela carioca. O submundo de hoje não tem o romantismo de quarenta anos atrás. Neste caso, a mínima poesia que tenta sobressair estaria em Lucia, a professora de piano, mas aos poucos essa poesia se deixa minar pelos acontecimentos que a personagem não pode controlar.
Para mim, o cinema ainda é a arte do diretor. Embora os produtores cumpram papéis cada vez mais importantes, cabe ao diretor dar personalidade à obra. Foi preciso muita delicadeza para abordar o tema. O cineasta, para não deformá-lo, apenas o apalpou. Por isso, sou obrigado a discordar de alguns críticos que trataram este longa metragem como apologia ao PCC. Sua trama permite várias perspectivas diferentes, impossível reduzi-la a um ponto de vista apenas. O grande triunfo de Sergio Rezende foi equilibrar-se na corda bamba de nossa miséria sem pender para nenhum dos lados, sem tomar partido. Desta forma, provocará debates e reflexões inesgotáveis.
Outra vez, ao sair do cinema, me voltou a nítida idéia de que, no Brasil, sempre será impossível distinguir ficção e realidade. Nossas vidas e seus filmes provam isto.
Sobre o autor:
Rafael Martins é poeta, graduando em Letras pela FEUC e escreve para alguns jornais da cidade de São José do Rio Pardo.
Blog: http://www.margemplural.blogspot.com/
Nenhum comentário:
Postar um comentário